sábado, novembro 26, 2016

Dialogando com paredes.

Hoje comprei "Caviar é uma ova", uma coletânea de crônicas de Gregório Duvivier, originalmente publicadas na sua coluna semanal da Folha de São Paulo.

Sempre fui tentado a assinar a Folha por causa do Gregório, mas nunca o fiz por saber que acabaria contribuindo para o financiamento de uma redação que, a exceção do filho de Olivia Byington, atua de maneira sorrateira e parcial. O que é uma pena, já que acabo lendo os textos tão somente quando os recebo de algum amigo.

De um tempo pra cá, Gregório tornou-se a voz de uma juventude republicana, da qual acredito fazer parte, que busca a razão e o bem coletivo, sem filiação obrigatória a partidos políticos. Defendendo, porém, a adesão e apoio a candidatos e partidos nos períodos eleitorais. O que vem, evidentemente, na contramão do movimento ideológico apolítico que a classe média tradicional patrocina em suas manifestações.

Retomando o livro, chamou-me atenção a crônica "Serhumanidade", na qual Gregório conta que colunistas da Veja escreviam sobre ele semanalmente, apresentando sempre um contraponto a sua retórica, num claro movimento de municiar a direita brasileira, principalmente os jovens, a contra-argumentar suas idéias.

Tudo isso porque nossa classe média enraivecida é medíocre intelectualmente. E sei que vou encarar algum tipo de indignação aqui, principalmente pelo fato de estar falando novamente da classe média tradicional. Mas, acontece que estou realmente convencido de que ela é o problema do país, e da recente ruptura democrática.

Explico: a classe C e a nova classe média brasileira, essa que ascendeu recentemente, não estão preocupadas em reivindicar quaisquer status, sendo majoritariamente apolíticas. Independente da crise, e, ainda que não se saiba até quando, estão satisfeitas com o novo formato de distribuição de renda.

Já classe A, sejamos sinceros, essa nunca se preocupou com o cenário político. Independente do partido governista ou da política econômica, ela sempre terá seus interesses resguardados através dos congressistas que financia. E é exatamente por isso que não conseguimos aprovar taxação sobre herança, novas faixas de imposto de renda, redução dos impostos indiretos...

Então, quem fomenta e mantém em voga a raiva da classe média tradicional? Quem dá publicidade e induz seu pensamento torpe? Antes, sentiam ódio da sua estagnação de classe, de estarem encurralados entre pobres cada vez menos pobres, e ricos cada vez mais ricos. Mas, quem foi que transformou essa situação numa lógica política, de dar-lhes discursos contra programas sociais e a favor de intervenção militar?

Foi exatamente essa tropa de jornalistas da Veja, Época, Isto É, Estadão, O Globo e Folha de São Paulo, somada a blogs congêneres, e movimentos de rede sociais, que reproduzem massivamente uma linha de pensamento de Estado mínimo e fim dos programas sociais.

Todo esse aparato existe por interesse difuso, evidentemente. E também porque a classe média não pensa ou cria sozinha, imperando no seu cotidiano a preguiça intelectual. É uma gente que não lê sequer dois livros por ano, que não conhece nada de filosofia, ciências sociais e política.

Exatamente por isso o diálogo é tão difícil, ao vivo ou nas redes sociais. Você não consegue traçar um paradigma histórico, jurídico ou econômico com quem não leu John Locke, Adam Smith, John Austin, Dwarkin, Keynes, Piketty, Hart, Hobbes, Samuelson ou Malthus. Essa é justamente a inteligência crítica que falta em nosso país.

Admito que não é um cenário fácil. Nossa sorte é que o Brasil é maior que a classe média, embora seja majoritariamente a sua voz que escutemos diariamente no Jornal Nacional, ou nas passeatas das capitais.

Para sairmos desse caos social, é preciso retomar urgentemente a política desenvolvimentista e ter novamente um governo que distribua bem estar social. Só que dessa vez com um adicional: a politização das novas classes em ascensão. E não é uma politização partidária, mas de popularização do conhecimento, da leitura dos autores que citei há pouco, para que essas pessoas também possam participar do debate nacional. Até lá, vamos continuar dialogando com paredes.

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