Apesar do cenário de tempestade perfeita explicar majoritariamente o mais recente golpe republicano brasileiro, entender a inércia do Partido dos Trabalhadores nesse processo passa por discutir as duas maiores falhas do Lulismo: o seu caráter conciliador e despolitizador.
Embora as políticas públicas dos mandatos do Presidente Lula tenham viabilizado a inclusão social de milhões de brasileiros, bem como garantido a democratização do consumo a população mais pobre, o governo petista falhou gravemente em não politizar os beneficiários do seu projeto. Assim como também falhou em adotar um caráter conciliador no trato com os demais partidos da base e oposição, esquivando-se do confronto com as forças políticas tradicionais.
Analisar o momento anterior a tomada de poder, ou seja, os pleitos que elegeram e reelegeram o Presidente, torna-se imprescindível a constatação de que o perfil do eleitorado de Lula em 2006 fez-se totalmente distinto daquele que garantira sua vitória em 2002.
Pode parecer pouco trivial aos que não analisaram os dados, mas o apoio da classe média, recebido majoritariamente por Lula em 2002, sofreu forte migração para a direita em 2006; tendo sido substituído naquele pleito pelo das classes mais pobres, ja beneficiárias dos programas sociais implementados no primeiro mandato.
Essa migração de eleitorado é explicada principalmente pela rejeição da classe média a receita econômica neoliberal do primeiro quadriênio petista; que trouxe nos 12 primeiros meses o aumento do desemprego, de 10,5% para 10,9%; a queda da renda média do trabalhador em 12,3%; o aumento do lucro das instituições financeiras em 6,3%; a queda do crescimento, de 2,7% para 1,3%; a aprovação da PEC 40 (Previdência); o corte de R$ 14,3 bilhões no orçamento; entre outras ações identificadas como de continuidade do Governo FHC.
De forma que, os números das eleições demostram claramente a inversão da base social de apoio ao partido dos trabalhadores. Enquanto Alckmin angariou grande fatia da classe média, o Presidente Lula, após o estigma de grevista da década de 80, finalmente criara raízes no coração da população mais pobre.
Ou seja, é apenas na eleição de 2006 que o subproletariado adere em bloco a campanha petista, e que as políticas de governo são delineadas com precisão. É relevante nesse cenário o combate a pobreza, através de ações de transferência de renda e/ou investimentos públicos pesados na geração de empregos em todas as regiões do país, principalmente naquelas com os piores índices de gini.
Ainda que o tom reformista tenha dominado o segundo mandato, Lula não conseguiu alterar em nada o fisiologismo político reinante no Brasil. Deixou o governo com a sensação de que não havia feito o essencial, e que entregaria ao sucessor um lindo castelo de areia, a ser derrubado por qualquer maioria de ocasião.
Por essa razão, escolheu e delegou a técnica Dilma Rousseff a missão de enfrentamento, levando em conta principalmente a sua retidão de caráter. Razão pela qual, foi justamente no primeiro mandato da Presidenta Dilma que a oposição ressuscitara com maior ênfase e agressividade a temática varguista, que opunha o "povo" ao "antipovo".
Em contribuição a turbulência, o governo e sua política desenvolvimentista falharam retumbantemente em incentivar empresários a retomarem o investimento pesado na indústria. Sendo inexplicavelmente insuficiente a classe empresarial a queda dos juros, a desoneração da folha, e a manutenção dos preços de combustíveis e da conta de luz.
No início do segundo mandato, marcado pela já citada tempestade perfeita, pesou negativamente o caráter despolitizador do Lulismo. As classes mais pobres não tomaram as ruas para defender a Presidenta do impeachment sem crime de responsabilidade, bem como a postura republicana do Ministro da Justiça facilitou em muito a instrumentalização do Direito no golpe.
O governo também pecou por não compreender a mensagem passada pelos protestos de 2013. Os atos, ainda distantes no tempo da atual crise econômica, tinham como pano de fundo um melindre psicológico acumulado. A classe média tradicional, lider incondicional do movimento, sentia-se encurralada e desprestigiada há quase uma década, entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez menos pobres.
Já o caráter conciliador foi responsável pela manutenção do protagonismo de partidos como o PMDB que, na primeira oportunidade, não somente romperam com o governo, como também se utilizaram de todos os meios para a tomada do poder.
A triste lição desse processo é que não devemos alinhar expectativas ideológicas e projeto de país com agentes que tem como motivação tão somente a ocupação de cargos e o aumento do poder no cenário nacional.
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