sábado, abril 16, 2016

A queda de Dilma em Meio a Uma Tempestade Perfeita.

Após passar o sábado fazendo contas, e estabelecendo correlações de votos entre bancadas e partidos, não tenho a menor dúvida de que o relatório pró-impeachment, este que visa autorizar o julgamento da Presidenta Dilma Rousseff no Senado Federal, será aprovado amanhã na Câmara dos Deputados.

Ainda que o PT tenha eleito a maior bancada partidária na Câmara, com 70 deputados, não existem vantagens numéricas a rejeição do relatório. É uma situação de difícil explicação, que demanda vasta análise conjuntural. Ainda que, com o apoio de PCdoB e PSOL, o Planalto já tenha 95 dos 172 votos necessários a impedir o prosseguimento do processo; e que, sejam necessários apenas 77 dos 418 votos restantes, meros 18,42%, tudo indica que o Governo não será bem sucedido nessa empreitada.

Esse seria um cenário inimaginável há dois anos, quando ainda havia a predominância do partido do governo sobre os demais, do poder de nomeações da máquina, e do histórico de relacionamento de uma década com a base.

Ainda que o governo precise de muito pouco (77 de 418), e de que não haja crime de responsabilidade nos atos da Presidenta, por tudo o que foi dito nos últimos dias, o Planalto não passará de 138 votos no domingo. Ou seja, conseguirá angariar apenas 43 votos dos 418 restantes. Será uma derrota política acachapante.

Para compreender essa reviravolta nacional, e a desgraça do partido que comandou o progresso da nação nos últimos 12 anos, é necessário atentarmos a conjuntura política, econômica e institucional, que passo a expor abaixo:

- A Crise Econômica

Essa é a condição sine qua non para a derrubada da Presidenta.

Independente do que publica a grande mídia, nossa crise não tem qualquer relação com a capacidade administrativa da Presidenta, ou com o aumento dos gastos do Governo Central. Verdade seja dita, os gastos do governo com pessoal e investimento cresceram na medida da arrecadação entre 2003 e 2013.

Porém, não contava o Governo com o grave cenário macroeconômico externo de 2014, com 03 (três) fatores cruciais para a crise arrecadatória: a queda do preço petróleo, cujo barril brent passou de $ 114. em 06/14, para $ 34,74, em 01/16; o fim do superciclo das commodities. com o recuo dos preços de alimentos e minérios nas bolsas de todo o mundo; bem como a retração da China. maior parceiro comercial do país, que registrou em 2015 seu pior PIB em 25 anos.

Essa é a origem da crise econômica do nosso país, que não é abordada seriamente pelos jornais, em razão dos motivos que esclarecerei no próximo tópico.

- Campanha Midiática Negativa

Não é novidade que a imprensa nacional há muito anseia pela saída do PT do Governo. Sua insatisfação é latente, e passa por várias questões, como a mudança da metodologia de cálculo da participação das empresas de televisão na verba de publicidade do Governo Federal. Lembrando inclusive que essa foi a principal motivação para a caça midiática do Ministro José Dirceu em 2005.

Somado a isso, podemos citar também a fúria das revistas paulistas que hoje só existem graças as verbas do Governo tucano, uma vez que o Governo Federal encerrou os contratos de impressão de material escolar com essas empresas.

Além do impacto em suas receitas, faz-se importante rememorar que a grande mídia brasileira encontra-se na mão de apenas 06 (seis) famílias, que possuem alinhamento histórico e filiação ideológica aos partidos conservadores paulistas.

O que essas empresas perceberam nos últimos anos foi a crescente perda da importância dos seus meios na configuração do quadro político nacional, principalmente por conta da ascensão do PT em cada número cada vez maior em estados e municípios.

- O Crescimento do PT nas Últimas Eleições

Incomodou muito aos diversos partidos da base aliada o crescimento do PT no número de prefeituras em 2012. Enquanto PMDB e PSDB, reduziram cadeiras. respectivamente, em 18,39% e 12,61%, o PT aumentou o número de prefeitos em 11,40%.

Sem falar que o partido possui, desde 2002, a maior taxa de crescimento acumulado entre todos os partidos. Na eleição de governadores de 2014, já sobre a pressão das manifestações nacionais, o PT ainda conseguiu manter o mesmo número de Estados governados, enquanto o PMDB cresceu 40% e o PSDB encolheu 37,5%.

Esse fator de crescimento incomodou os partidos com maiores bancadas no Congresso Nacional, que passaram a assistir a influência do PT em todos os tipos de disputas eleitorais, quase sempre promovendo a vitória de candidatos de partidos novos, em detrimento da tradicional base.

O que foi considerado corretamente por determinados caciques como uma política sistemática de enfraquecimento de partidos maiores, visando o aumento da parcelarização partidária, o que permitiria um controle menos estressante da base pelo PT.

- As tentativas de enfraquecimento político do PMDB

O Governo nos últimos anos, sob o comando da Presidenta Dilma, empreendeu várias ações para enfraquecer o maior partido garantidor da governabilidade. Os palanques estaduais foram a maior expressão desse movimento, que pode ser melhor evidenciado no apoio aos irmãos Gomes, em detrimento de Eunício de Oliveira no Ceará; e no lançamento da Campanha de Lindberg Farias no Rio de Janeiro, único Estado relevante governado pelo PMDB.

Há também o entendimento de que a indicação de Kassab (PSD) para o Ministério das Cidades e Cid Gomes (PROS) para o Ministério da Educação, pastas que somam R$ 200 bilhões do orçamento federal, foram outra afronta velada e clara estratégia de enfraquecimento do PMDB.

Diversas ações desse tipo fizeram com que muitos candidatos da base saíssem das eleições de 2014 com rancor, o que explica em grande parte a perda de apoio da Presidenta no Congresso Nacional.

- A eleição de um Congresso Restritivo de Direitos em 2014

As manifestações de junho de 2013 deixaram uma marca significativa no país. Apesar da eficiência do governo em promover a inclusão social e ampliar as garantias de direitos a parcela mais vulnerável da população, o que se viu foram diversos grupos políticos e apolíticos tomando as ruas para pleitear demandas genéricas, num movimento que ficou marcado pela pluralidade e pouca clareza na pauta de reivindicações.

Uma nova geração de jovens, que não viveu o período inflacionário da década de 80 e a miséria do segundo mandato de FHC, foram as ruas insatisfeitos, gritando palavras de ordem contra todas as esferas de governo. Haviam também algumas questões disfarçadas, em relação a Copa do Mundo, traduzidas pelo sentimento de que as classes B, C e D não teriam condições financeiras de ir aos estádios assistir os jogos.

O principal desdobramento desse movimento, organizado disfarçadamente por movimentos de Direita, foi a eleição de um Congresso restritivo de Direitos em 2014 que, de tão retrógrado, pode ser comparado em conservadorismo ao de 1964; com gravoso aumento no número de parlamentares religiosos, ruralistas e militares.

Números do Diap mostram que a quantidade de Deputados ligados a causas sociais caiu drasticamente. A frente sindical, por exemplo, caiu de 83 para 46 parlamentares. Enquanto a bancada evangélica, apesar de manter-se numericamente, ganhou nomes de peso das igrejas; e a bancada da bala, um reforço de 30% no número de militares eleitos.

- A Derrota de Chinaglia para a Presidência da Câmara

A eleição de Eduardo Cunha no início de Janeiro, numa briga velada com a Presidenta Dilma, já havia demonstrado o quão dura seria essa legislativa: o PT, maior bancada individual, ficou sem qualquer cargo na mesa diretora ou na Presidência de qualquer comissão relevante. 

A interlocução de Michel Temer também mostrou-se ineficiente naquele período, o que nos leva a questionar se a estratégia de sucessão já não se fazia presente naquele momento. Fato é que a escolha de Cunha naquela votação foi determinante a todas as ocorrências posteriores, culminando na admissibilidade do pedido de Impeachment da Presidenta, na aprovação de uma reforma política às avessas, e em todas as manobras regimentais verificadas pela casa.

Cunha durante todo esse processo mostrou-se um grande articulador, brilhante conhecedor do regimento, e com capacidade de manter aliados fiéis tanto na base e quanto na oposição. Nem mesmo as diversas citações em delações foram capazes de abalar sua dominância sobre a classe política.

- Incapacidade de Conter a Lava-Jato

Outro fator que pesou na relação da Presidenta com sua base de sustentação no Congresso Nacional foi o avanço da Operação Lava-Jato. Com grande quantidade de políticos envolvidos, citados, delatados e operações numerosas da Polícia Federal, com forte repercussão da mídia, o sentimento no Congresso foi de que a Presidenta não fez qualquer esforço para reduzir a velocidade e/ou efeitos da operação.

Não existem dúvidas de que o PT foi extremamente importante na atual independência do MPF, bem como no aumento da autonomia e capacidade técnica da Polícia Federal. De forma que, fica cada dia mais claro que o governo petista não controla essas instituições, nem interfere sobremaneira no seu funcionamento.

Ou seja, os parlamentares investigados são descrentes na capacidade da Presidenta blindar-lhes nesse processo. Imaginam, pelo histórico pregresso, que não há outra saída que não sua substituição por Michel Temer. Esperam, possivelmente, que a situação se reverta com nomeações mais alinhadas a base.

- A Recondução de Janot

Seguindo a tradição nos mandatos do PT, a Presidenta Dilma reconduziu Rodrigo Janot, o mais votado na eleição da Associação Nacional de Procuradores, ao cargo de Procurador Geral da República em 2015.

Como é sabido por todos, Cunha e Janot traçaram diversas batalhas nos últimos meses, desde que fora iniciada uma investigação contra o Presidente da Câmara. A recondução de Janot certamente foi vista como o evento final de qualquer possibilidade de reaproximação entre Cunha e o Planalto.

- Insatisfação dos Empresários

Não é novidade que o empresariado há muito questiona as políticas do Governo Dilma em relação ao reajuste do salário mínimo acima da inflação, que elevou os custos de produção; bem como o dispêndio do Governo Central com gastos sociais.

O primeiro recado veio quando do lançamento da política de desoneração da folha. Enquanto Dilma acreditava que a ação serviria para aumentar o investimento e o emprego, a classe empresarial apenas apropriou-se do valor não desembolsado na forma de resultado. Nem mesmo os esforços de segurar o preço dos combustíveis e da energia foram reconhecidos nesse processo.

A verdade é que o empresariado sentiu a desaceleração da economia, oriunda do cenário mundial, com o agravante do peso da Lava-Jato na principal empresa do índice Bovespa, do fim do ciclo de obras em projetos de refinarias, transposição do Rio São Francisco e construção de plataformas de petróleo.

A postura da FIESP, que sempre foi favorável ao impeachment, acabou sendo seguida por outras Federações, como a FIRJAN, que não acreditou na capacidade da Presidenta retomar o crescimento no meio a tanta instabilidade política. Sem falar das pautas-bomba lançadas por Cunha, que acabaram por dizimar todo o esforço do Governo na redução dos gastos públicos.

- Insatisfação do Sistema Bancário

A Presidenta lutou bravamente contra a morosidade do capital financeiro em 2012, forçando a baixa dos juros de mercado, utilizando até mesmo os Bancos Públicos como instrumento nesse processo. Sua intenção era fomentar os investimentos na indústria, mas o resultado não foi positivo. Esqueceu a Presidenta que os bancos brasileiros possuem uma tradição de altos spreads, evitando a todo custo servirem de instrumento ao capital de giro das empresas. Vale lembrar que essas são instituições que objetivam tão somente resultados garantidos no sistema de depósitos interbancários, enquanto nas demais linhas de crédito, sua atuação é historicamente tímida e com riscos controlados.

Ainda que os juros tenham retomado a trajetória de alta, majoritariamente para conter a inflação, a insatisfação dos bancos passou a ser com as repercussões da crise. Os crescentes níveis de inadimplência e o aumento de devedores duvidosos fizeram com que os bancos rapidamente aderissem ao movimento de impeachment.

- A insatisfação da Classe Média

Na última década, o governo foi muito bem sucedido ao implementar políticas que garantiram o aumento da renda, do emprego, e de democratização do acesso ao consumo das populações mais pobres. Foram 30 milhões que saíram da linha da pobreza, com resultados econômicos positivos em programas como o bolsa família que, conforme auferido pelo IPEA, revertem ao PIB R$ 1,78 para cada R$ 1,00 investido.

O problema é que, apesar de ter democratizado a demanda, o Governo falhou em democratizar a oferta. Ou seja, a classe média não teve as condições necessárias para empreender, seja pela limitação do crédito, ou pela falta de capacitação.

O resultado desse processo, de rejeição do governo petista, está muito ligado a questões antropológicas e sociais. A classe média acabou por assistir a ascensão de seus empregados domésticos, a vê-los compartilhando aeroportos, seus filhos cursando curso superior através do FIES, a viajarem para o exterior. Esse ganho de direitos da classe mais pobre não fez bem a classe média que, apesar de não conseguir ascender a classe A, passou a não ter mais acesso a empregados domésticos, e a verificar o aumento competitivo de pessoas qualificadas no mercado de trabalho.

Há muito preconceito de classe nesse ódio ao PT. O que agravou-se ainda mais quando o preço do cambio teve sucessivos saltos, fazendo com que as viagens ao exterior, tão rotineiras e festejadas, tornassem-se escassas.

- A inabilidade da Presidenta e de sua equipe

Não é segredo que a composição do Governo para o segundo mandato não agradou a base aliada. Foram muitos os Ministérios relevantes ocupados por pessoas próximas a Presidente, que não possuem qualquer protagonismo político. Outro exemplo que demonstra que Dilma não estava preocupada em satisfazer os demais partidos foi a escolha de Katia Abreu como Ministra da Agricultura. A Senadora, apesar de muito competente na pasta, não possui grande influência dentro do PMDB governista, ao que muitos consideraram sua indicação uma afronta, e não um ponto positivo na composição ministerial.



Como pode ser verificado nos relatos acima, o cenário enfrentado pela Presidenta Dilma é de tempestade perfeita: uma conjunção de fatores políticos, econômicos e sociais adversos. Ainda assim, os adversários tiveram muita dificuldade em imputar-lhe qualquer crime, dada a honestidade e retidão de caráter da Presidenta. Lembrando que as duas primeiras peças de Janaína Pascoal e Hélio Bicudo eram imprestáveis, por tratarem de diversos assuntos da Lava-Jato, ainda em fase investigatória.

Somente após a entrada de Miguel Reale Jr. no processo, com a numeração dos decretos de créditos suplementares, algum caminho jurídico menos rídiculo foi traçado. Ainda assim, sem qualquer tipo de crime de responsabilidade, apenas manobras contábeis para garantir a execução do orçamento dos programas sociais e do financiamento a Agricultura.

Porém, engana-se quem pensa que Lula e Dilma não estavam em sintonia quanto ao enfraquecimento do PMDB, a pressão no sistema bancário, e a composição de um corpo ministerial mais técnico. Faz-se importante rememorar que, em meio a tantos pré-candidatos potenciais, Lula escolheu Dilma por saber da sua retidão de caráter, reconhecendo nela a pessoa dotada de moral para implementar as políticas de transformação mais difíceis, aquelas que tratam das questões fisiológicas. O problema foi a crise econômica internacional no meio do caminho.

Se não fosse a crise, certamente estaríamos vivendo num país politicamente melhor. Faltou sorte!