sexta-feira, abril 03, 2009

O plano de Geithner

A proposta de US$500 bilhões para salvar os bancos, anunciada pelo Tesouro Americano, foi elogiada por muitos analistas de Wall Street e classificada como triplo ganho. Na verdade, essa é uma proposta ganho-ganho-perda: os bancos ganham, os investidores ganham e o contribuinte perde. E não é difícil chegar a essa conclusão.

Segundo o plano, o tesouro americano espera solucionar a crise replicando os procedimentos arriscados do setor privado, com uma proposta altamente complexa, com poucos incentivos e pífia transparência. Sem falar que o patrimônio público será fortemente desalavancado.

A verdade sobre essa crise é que os bancos deixaram toda a economia vulnerável quando decidiram se alavancar. Utilizaram pouco capital próprio e se endividaram muito para comprar ativos de alto risco do mercado imobiliário. Para piorar, no decorrer do processo, ainda se utilizaram de instrumentos de alta complexidade, como obrigações de débito colateralizadas.

A projeção de alta compensação deu aos banqueiros incentivos para ignorar e subestimar o risco excessivo. Os bancos cometeram todos esses erros, alheios a qualquer fiscalização. Mesmo porque, a maior parte dessa negociação era financiada fora da folha de balanço.

Na teoria, o plano do governo Obama baseia-se em permitir que o mercado determine o preço dos ativos podres dos bancos, incluindo empréstimos para a compra de casas e derivativos desses empréstimos. Na verdade, o mercado não irá precificar os ativos, mas as opções desses ativos.

E o problema reside exatamente nesse ponto, por conta da inexistência de garantias vinculadas. Dessa forma, o plano do governo resume-se a absorver quase todas as perdas, uma vez que, os investidores privados superestimarão os ganhos potênciais.

Considere um ativo que tem 50% de chances de valer entre zero e US$ 400 em um ano. O valor médio desse ativo é de US$ 200. Sem levar em conta os juros, esse é o preço do ativo em um mercado competitivo. É quanto o ativo vale. Segundo o plano do secretário do Tesouro Americano, Timothy Geithner, o governo financiará 92% do dinheiro para a compra do ativo, mas espera receber apenas 50% de qualquer ganho, e absorverá quase todas as perdas.

Digamos que em uma das parcerias público-privadas, o Tesouro se comprometa a pagar US$ 300,00 pelo ativo. É 50% a mais do que ele realmente vale, e o banco estará mais do que feliz ao vendê-lo. Então, o parceiro privado coloca US$24, e o governo financia o resto: US$24 em “equity” mais US$252 em forma de empréstimo garantido.

Se acontecer de o valor real se tornar zero, o parceiro privado terá perdido US$24, e o governo terá perdido US$276. Se o valor real tornar-se US$400, o governo e o parceiro privado dividirão US$148, que restará depois que o empréstimo de US$252 for pago. Nesse cenário, o investidor privado mais do que triplica seu investimento de US$ 24. Enquanto o contribuinte terá arriscado US$ 276, para ganhar US$74.

Mesmo em um mercado imperfeito, não deveria existir a confusão entre o valor de um ativo e o valor da opção em alta desse ativo.

Mas, os americanos perderão muito mais do que sugerem esses cálculos, por conta de um efeito chamado seleção adversa. Segundo o plano, os bancos poderão escolher os ativos que desejam vender. Logo, escolherão os piores e, especialmente, aqueles que o mercado superestimar.

A única maneira de neutralizar esse efeito de "seleção adversa" é incorrer em muitas perdas. Com o governo absorvendo as perdas, não importa para o mercado se os bancos estarão "trapaceando" ao vender seus ativos mais depreciados, porque, o governo bancará o custo.

O problema principal dessa crise não é a falta de liquidez. Se o fosse, a solução seria fornecer os fundos sem garantias de empréstimos. A verdadeira questão é que os bancos fizeram maus empréstimos em uma bolha e foram altamente alavancados. Eles perderam o seu capital, e este capital tem de ser substituído.

Por essa razão, pagar o valor de mercado justo pelos ativos não funcionará. Os bancos só serão recapitalizados se o valor pago por esses ativos for superdimensionado. No entanto, fazê-lo, será o mesmo que transferir a perda para o estado. Em outras palavras, o plano de Geithner só funciona se o contribuiente perder muito.

Alguns americanos temem a nacionalização dos bancos. No entanto, essa opção deveria ser preferida ao plano de Geithner. Mesmo porque, a Federal Deposit Insurance Corporation já obteve o controle de bancos falidos em outros tempos e realizou um ótimo trabalho.

O que muitos conservadores não perceberam é que o plano de recuperação da administração Obama é pior do que o processo de nacionalização. É um capitalismo promíscuo, que privatiza os ganhos e socializa as perdas. É um tipo de paternalismo em que uma parte é beneficiada em detrimento de outra, que preserva os incentivos aos que criaram a crise.

Então, qual é o apelo de uma proposta como essa? Talvez, esse seja o tipo de solução à la Hegel que Wall Street ama: complexo e obscuro, permitindo transferências enormes de dinheiro saudável para os mercados financeiros.

No entanto, estamos prestes a enfrentar uma grave crise de confiança. Isso porque, quando os altos custos dos planos da administração Obama se tornarem aparentes, a confiança será diluída. Nesse momento, a tarefa de recriar um setor financeiro eficaz e ressuscitar a economia, será ainda mais difícil.

Aos amigos,
sincerità de Arisa,

Marcos André Ceciliano

5 comentários:

Pablito disse...

Muito bom, amigo! Uma visão alternativa ao plano da Casa Branca. Um alerta ao mercado!

Leonardo disse...

Parabéns! O texto está perfeito. É como você disse, querem socializar apenas as perdas, os lucros continuam privados. Quem diria os EUA fazendo isso? Algo tão socialista... Genial, Marcos!

Rafael Teodoro disse...

É um plano muito estranho, sem dúvida! Tem analista dizendo que o contribuinte também é o mercado. Uma justificativa idiota, como a maioria dos economistas americanos.

Luiza Cardoso disse...

"Talvez, esse seja o tipo de solução à la Hegel que Wall Street ama: complexo e obscuro". ISSO É MUITO MARCOS ANDRÉ CECILIANO!

Beijos, lindo e inteligente!

Patricia Colares disse...

Lindoooooooooooo...

Eu não sei nada de economia. Mas, amo sua forma bonita, métrica e educada de escrever.