Hoje é comemorado no Brasil o dia do nordestino, a parcela da nossa população que vive no quadrante norte-leste do país, e que tem como característica predominante a hospitalidade e a alegria.
Tive a felicidade de morar no Nordeste entre 2010 e 2012, por força do trabalho de gestão que desempenhava numa construtora civil, que esteve em Pernambuco para executar obras de construção de tanques de armazenamento na Refinaria Abreu e Lima, e, em seguida, serviços de pavimentação no Ativo de Produção de Petróleo em Mossoró/RN.
Esse foi um período mágico da minha vida. O nordeste me ensinou a elegância da simplicidade, da cultura local, e das belezas naturais não tomadas pelo turismo comercial predatório, como são as do Rio de Janeiro.
A primeira faculdade de direito do Brasil é nordestina, criada em Olinda, nos termos do Decreto Imperial de D. Pedro I, convertido em Lei Imperial em 11 de agosto de 1827:
"Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte:
Art. 1.º - Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:"
Aqui abro aspas para dizer que foi justamente essa famigerada lei imperial que iniciou o costume de chamarem por doutores os advogados, tratamento desprovido de qualquer amparo legal, mas que muito agrada a vaidade de alguns.
Na minha percepção, vale o óbvio: Dr. é quem tem doutorado, o que se extrai sem esforço da sua definição etimológica. Da mesma forma, médico com mera graduação também não é doutor. Tudo isso para dizer que, para podermos evoluir como sociedade, a classe média brasileira, principalmente a carioca, precisa superar seus complexos de inferioridade, e essa estranha necessidade de se sentir superior.
E o que isso toca no dia do nordestino? É que você logo percebe falta de classe, educação e cultura quando escuta alguém se referir a nordestinos como paraíbas, termo pejorativo apregoado com raiva por quem não sabe, sendo gentil, o básico da geografia e das definições do IBGE sobre as regiões brasileiras.
E esse preconceito é exclusivo da classe média, porque o clube bilionário do país está lotado de nordestinos, alguns inclusive na Forbes, como Ilson Mateus, Luiza Trajano, Luiz Carlos Batista, Candido Koren de Lima, César Mata Pires, Bernardo Gradim e Marcelo Odebrecht.
No Rio de Janeiro, são muitos os "caboclos querendo ser ingleses", gente de uma pobreza cultural e literária evidente, que rejeita museus, teatros, ópera, e o aprendizado de línguas, mas que acha o máximo se vestir como a classe média americana, ou com o básico das marcas de grife.
A classe média brasileira precisa resolver seus complexos, abandonar a pobreza cultural e espiritual das viagens a Disney e passar a conhecer os museus de Florença. Deixar, enfim, de ser medíocre, e entender que não há glamour em lotar a casa de empregados domésticos, que isso é uma aberração, situação ridícula até mesmo para famílias americanas ou europeias de classe alta.
O brasileiro classe média é tão complexado, tão mal resolvido, que realmente acha que depois de um mestrado ou doutorado não tem mais que limpar a privada ou lavar a louça. Ou então, se acha diferenciado por comprar aqui carros de R$200 mil, que custam R$ 45 mil nos EUA, quando na verdade só estão fazendo papel de bobo perante os princípios da economia.
Meu lado liberal diz que se você, caro brasileiro de classe média, quer posar de rico/diferenciado, em detrimento da elegância, cultura e consciência de classe, faça-o da maneira correta, não seja mero explorador da miséria alheia: não sonegue impostos, pague direitos trabalhistas e um salário decente a seus empregados domésticos.
Fã que sou da literatura do austríaco Stefan Zweig, para concluir essa "homenagem", fui buscar em "Pequena Viagem ao Brasil" sua primeira impressão sobre o nosso povo:
"E a segunda anomalia surpreendente para a Europa de 1936: o Brasil ainda não descobriu a questão racial, mas resolveu a muito tempo esse problema da maneira mais simples e feliz, e por isso há décadas a diferença de raça, cor de pele, nação e religião é totalmente ignorada por seus habitantes.".
Pobre Zweig, suicidou-se em 1942, em Petrópolis, onde refugiara-se do nazismo. Acho que deve ter deprimido-se ao conhecer a verdadeira face da nossa classe média.